Muito embora eu defenda que é necessária uma revisão da nossa lei fundamental (a última foi em 2005, portanto há quase 20 anos), a verdade é que também creio que este não era, nem é, o momento mais apropriado para o fazer, quando temos problemas bem mais graves para resolver (veja-se a situação crescente da inflação, a incerteza internacional, a situação nos hospitais, nas escolas e na justiça: um caos completo).
Antes de mais, defendo que tudo isto começou mal, atento a quem desencadeou o processo. Não falo de legitimidade (porque existe), mas dos valores que caraterizam a nossa democracia. É sabido que quem desencadeou o processo foi o Chega – partido que assume, descaradamente, não se rever em grande parte dos nossos valores e princípios democráticos. Ora, prevê a Constituição que, apresentado um projeto, outros poderão ser apresentados no prazo de 30 dias, o que, não tendo o projeto do Chega sido aprovado, ficaria por coludir esse prazo. Não havia necessidade, a meu ver, de o PSD e o PS virem, logo de seguida, apresentar projetos de revisão. Deveriam, sim, ter deixado o partido da extrema-direita a falar sozinho. Não poderia ter-se, mais uma vez, dado palco a quem gosta de dizer, irresponsavelmente, asneiras. Os partidos democráticos deveriam, ao invés, em momento verdadeiramente oportuno, ter iniciado um projeto de revisão estruturado, pensado e com pés para andar. No entanto, a verdade é que o processo de revisão se iniciou e cumpre levá-lo até ao fim (ainda que o fim esteja muito longe).
Olhando para os vários projetos de revisão constitucional, de um extremo ao outro extremo, todos tendem a querer alterar um infindável número de artigos, desviando-se, assim, de questões fundamentais. Eu entendo que, acima de tudo, há dois pontos essenciais que merecem reflexão e se
justifica abordar por não haver, ainda, uma clarificação expressa quanto ao tema: questão sanitária e digitalização. A revisão constitucional deveria circunscrever-se a muito poucas matérias sob pena de a transformarmos em lei ordinária, volátil e de pouca aplicabilidade no futuro (atentas as alterações cada vez mais rápidas na nossa sociedade). Os processos de revisão constitucional, nos termos em que estão construídos correm o risco, a meu ver, de espelharem mais um autêntico programa eleitoral ou de governo, ao invés de uma verdadeira lei fundamental do nosso Estado.
Em todo o caso, muitas questões estão em cima da mesa e cada uma merecia uma reflexão profunda e alargada da sociedade (se verdadeiramente nos importássemos com isso). Que sistema político queremos que vigore? Faz sentido manter a norma da regionalização tal como ela está formulada? E quanto às questões ambientais, é, ou não, necessário alargar o seu escopo? Alteramos tudo ou, afinal, mais vale não mexer? Importa colocar a sociedade civil a pensar e a participar num tema tão relevante que, quer queiramos, quer não, impacta diretamente na nossa vida porque qualquer lei ordinária deve estar conforme e em consonância com o estipulado na Constituição.