No início do século XIX, o transporte terrestre tinha a dificuldade acrescida, do mau estado da rede viária, que, não raramente, ainda datava do período romano.
Como ainda faltavam muitas décadas para o aparecimento do transporte ferroviário a nível nacional, era natural que a sociedade se voltasse para o transporte fluvial, e marítimo, para a movimentação de passageiros e mercadorias. Assim, uma viagem terrestre entre Braga e Lisboa, que numa só direcção, poderia demorar mais de duas semanas, a partir do porto de Viana do Castelo, ou do Porto, poderia ser significativamente encurtada. Situação que, em boa verdade, pouco se alterou ao longo de quase 2.000 anos, até ao aparecimento da máquina a vapor, fosse para ser usada numa locomotiva ou numa embarcação.
Assim, não foi de admirar, que ainda no séc. XVIII, mais concretamente, em 1795, em tempo da Rainha D. Maria I, “A Piedosa”, a pedido das autoridades e populações, da Província do Minho, nomeadamente, do Vale do Cávado, a monarca tendo dado permissão, para tornar o Rio Cávado navegável, devido ao interesse estratégico, não só para o Vale do Cávado, mas para todo o Norte de Portugal. Na primeira fase do projecto, até Barcelos, e, numa segunda fase, até próximo da actual Ponte do Bico, ficando o concelho de Braga dotado de um porto fluvial com ligação ao mar. Para o efeito, o Governo nomeou o Eng.º Custódio José Gomes de Villas-Boas, Oficial de Artilharia, para avançar com o projeto e dirigir a execução da obra, que ficou conhecida por “Encanamento do Rio Cávado”.
Esta obra iria permitir o maior desenvolvimento sócio-económico, que a região iria conhecer em séculos, pois, com a excepção de um ou outro povoado costeiro, nem “Os Descobrimentos” trouxeram prosperidade pelo Minho adentro. Pelo contrário, a partir do momento em que se descobriu o arquipélago da Madeira, Braga e o Minho, assistiram a uma sangria de gente, para colonizar novos mundos. Entre finais do século XVIII e inícios do século XIX, o Brasil foi muito procurado, para fugir à pobreza local, pois, esta região, não estava conectada com o mundo, pela falta de transporte e vias de comunicação, o que penalizava fortemente a sua economia que era praticamente de subsistência.
Porém, a condição imposta pela coroa real, é que teriam de ser as populações beneficiadas por esta obra, a desembolsar pela sua execução, com maior carga fiscal, como aconteceu em Braga. Os habitantes dos concelhos do Vale do Cávado – Esposende, Barcelos, actual Vila Verde e Braga – a beneficiar com a obra, teriam de pagar “um real por cada quartilho de vinho e cada arrátel de carne”. O Povo ficava assim a saber, que o poder instalado em Lisboa, havia estourado as riquezas trazidas pelos Descobrimentos, muito à custa da mão de obra recrutada no Vale do Cávado, em megalomanias, tais como o Real Convento de Mafra e o Palácio da Ajuda, e também a reconstrução de Lisboa, após o terramoto de 1755, só para citar algumas.
Ainda em 1795, assistiu-se ao início da construção da grande obra, e, com o passar do tempo, e com o surgimento de grandes paredões, que, ainda hoje, se podem observar no curso do Rio Cávado, no concelho de Esposende, os poderes locais e as populações, tinham motivos para acreditar na total execução do projecto. Contudo, o dinheiro foi escasseando, e sucederam-se paragens das obras, até que, em 1808, o projecto cessou por completo. Também houve carta régia, em 19 de fevereiro de 1805, para realizar o “Encanamento do Rio Lima”, de forma a o tornar navegável, entre Ponte da Barca e Viana do Castelo, tendo as obras se iniciado em 4 de junho, desse mesmo ano, mas cessado a 31 de dezembro de 1807.
A ascensão de Napoleão, e o seu desígnio de controlar a Europa, também trouxe receios fundamentados a Portugal, que sofreu com três invasões das tropas francesas: 1807, 1809 e 1810. A primeira das invasões, causou mesmo a fuga da corte de Lisboa para o Brasil, o que poderá a ajudar a compreender o porquê da paragem total do “Encanamento do Rio Cávado”. A 8 de Setembro de 1808, e de acordo com um Livro de Registos da CM Braga, a obra foi extinta por decreto e os materiais foram vendidos. Paradoxalmente, o Povo do Vale do Cávado, i.e, Esposende, Barcelos, actual Vila Verde e Braga, continuou a contribuir para uma obra extinta, durante largos anos…
Com a 2.ª invasão francesa a ter como palco o norte de Portugal, na primeira metade de 1809, ou seja, meses depois da extinção da obra no Cávado, o engenheiro responsável pelo seu projecto, Custódio Villas-Boas, teve de pegar nas armas, para combater. Com Braga cercada pelo invasor, desde o Rio Cávado, até à Falperra, a população citadina ficou em alvoroço, na expectativa de sofrer às suas mãos. Num misto de falta de compreensão de movimentações militares, e loucura de massas, o Povo assassinou, não só, o Comandante da Defesa a Braga, Gomes Freire de Andrade, mas também o seu Ajudante de Campo, Custódio Villas-Boas. Este último, como vimos antes, foi o cérebro do projecto do “Encanamento do Rio Cávado”, perdendo-se assim o maior dinamizador da ideia que seria revolucionária para a economia minhota.
Portugal viveu décadas de convulsão política e social, e, por isso, não foi de estranhar que o País, de uma forma geral, penou com a falta de investimento público. Contudo, em 1839, a Rainha D. Maria II, ordenou ao inspector interino das Obras da Divisão do Norte, que enviasse ao Ministério do Reino, um plano de trabalhos que tornasse o Rio Cávado efectivamente navegável. À falta de mais notícias sobre esse desígnio real, só no último quartel do Séc. XIX, em tempo de Fontes Pereira de Melo, Portugal voltou a ter condições financeiras para avançar com um grande plano de obras públicas. Seria de esperar, assim, que o governo central retomasse o projecto por concluir no Rio Cávado, mais ainda, quando as suas populações, suportaram impostos extraordinários, muitos anos após a sua suspensão.
Porém, a elite portuense, não via com bons olhos um projecto que não estivesse dentro dos seus limites administrativos, e que até viesse a concorrer com os seus planos. Isto porque, o Rio Douro, era de difícil navegação, e havia a intenção de construir um porto artificial, ali ao lado, na foz do Rio Leça, para o substituir, e manter viva a economia duriense, votando a do Cávado ao esquecimento. De notar que, até este período da História, o porto de Lisboa concentrava cerca de 80% do movimento global dos portos portugueses, sendo que o porto do Porto, captava 15% a 17%. Ou seja, um Estado realmente interessado pela coesão territorial, teria de forçosamente reduzir a dependência do país, de apenas dois portos, alargando este tipo de infraestruturas a outras cidades, como sucedia nos países do norte da Europa.
Assim, em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresentou na Câmara dos Deputados, a proposta de Lei, autorizando o Governo a adjudicar a construção do Porto de Leixões e, em 1884, iniciou-se a construção do maior porto artificial do país. Foi mesmo considerada a maior obra de engenharia realizada em Portugal no século XIX. Entre 1884 e 1892, foram construídos os molhes norte e sul e um cais, entrando pouco depois em funcionamento. Não faltou crítica à opção tomada por Leixões, em função de ser um porto artificial, e, assim, ao gigantesco investimento ter sido necessário realizar. Já na década de vinte do século passado, se mencionava a “loucura” de realizar dragagens sucessivas no Porto de Leixões. Opinião corroborada recentemente, em 2022, já que, a entrada do porto de leixões, necessitou da “maior draga do mundo”, para o manter operacional…
Ao longo do século XX, o Porto de Leixões foi beneficiando de investimentos sucessivos, para a construção de novas docas, além de outras melhorias, e manutenções, o que fez com que o plano de “Encanamento do Rio Cávado”, com um porto fluvial no Concelho de Braga, fosse votado definitivamente ao esquecimento, sendo um triste contributo para o atraso da economia local e regional durante grande parte do século XX.
O porto do Porto foi essencial, durante o século XVIII, para esta cidade duplicar a sua população, ao captar habitantes de outras localidades do norte litoral e interior. No início desse mesmo século, não era muita a diferença populacional entre Braga e Porto, ainda assim, com ligeira vantagem para este último. Braga havia sido largamente dominante em termos populacionais, face ao Porto, até aos alvores do séc. XIV, altura em que o Porto começou a beneficiar do aumento do comércio marítimo. Braga poderia ter beneficiado de idêntico processo, desde meados do século XIX, mas ficou votada ao declínio sócio-económico, face à escolha do porto de Leixões, em detrimento de um rio Cávado navegável até à Capital do Minho. Lisboa e Porto haveriam de praticamente duplicar as suas populações, durante a segunda metade do século XIX, enquanto Braga, como terceiro núcleo populacional do País, viu o Porto passar a ter sete vezes o seu número de habitantes em 1900.
No presente, a navegabilidade do Rio Cávado continua em situação periclitante, como a autarquia de Esposende, em 2021, a “alertar para a situação de grave perigo na restinga e na barra de Esposende, salientando a necessidade de fazer obras duradouras para proteção de pescadores e da própria cidade”.