O Arquivo Distrital de Braga, doravante ADB, foi fundado em 11 de Agosto de 1917, através do Decreto-Lei N.º 3286, sendo constituído com os documentos, e autênticas relíquias, de instituições, tais como: o Cartório do Cabido Bracarense, o Arquivo da Sé, o Cartório da Mitra, o Cartório da Câmara Eclesiástica, bibliotecas e documentos de Mosteiros extintos, documentos da antiga Provedoria e Resíduos, documentos da antiga Prefeitura do Minho, de Cartórios dos Hospitais, de Confrarias várias, das Misericórdias e Cartórios Paroquiais do Distrito de Braga, entre outros.
Desde a data de sua fundação, até 1935, toda esta importantíssima base documental, esteve pobremente acondicionada, na existente Escola do Magistério Primário, situação bastante comum pelo país. Só depois de 1935, com o restauro do antigo Paço Arquiepiscopal, que esteve quase 70 anos em ruínas, após o grande incêndio de 1866, o ADB teve um lugar condigno para ser colocado, juntamente com a Biblioteca Pública de Braga (BPB). Mais tarde, em 1974, tanto o ADB, como a BPB, passaram a integrar a recém-fundada Universidade do Minho.
Do ADB, e desde 1935, faz parte um Arcaz do século XVII, que contém o mais importante cartório eclesiástico português: o Cartório do Cabido Bracarense. O Arcaz é um notável objecto mobiliário, composto por armários e gavetas, e ricamente decorado com a imagem da Virgem. Fazem parte do Cartório do Cabido Bracarense, 1539 pergaminhos, produzidos algures entre os séculos IX e XII.
Recuando um pouco atrás na linha do tempo, grande parte deste valioso e importante espólio documental, que constitui o ADB, já estava em posse do Estado Português, em função da Lei da Separação emitida em 1911, e sucedânea de outra, ordenando que os vários cartórios bracarenses, fossem entregues à BPB, para posterior e definitiva entrega, ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa…
Braga iria ficar amputada de um dos principais arquivos do país, e do mais importante de todos os cartórios eclesiásticos portugueses, o Cartório do Cabido Bracarense! Lisboa e a sua macrocefalia centrípeta, a querer, ontem e hoje, emagrecer o restante país, agora numa perspectiva patrimonial e cultural, pois, este monumental espólio, é fundamental para o estudo da história social, política, religiosa e económica, não só de Braga e da sua Região, mas, inclusivamente, da Galiza e também de Portugal e “da sua expansão pelo Mundo”.
Se o polémico conteúdo desta Lei de 1911 fosse cumprido, Braga iria perder para sempre, documentos tão relevantes da sua História, tais como: a Divisão do seu Termo, do ano de 835; o pergaminho de 1128, em que D. Afonso Henriques confirmou o Couto de Braga ao Arcebispo D. Paio Mendes, considerado, o “Documento da Fundação de Portugal”; o documento referente à Divisão dos limites do Arcebispado de Braga e do Bispado do Porto, de 1193; o Liber Fidei, “o mais importante dos cartulários bracarenses”, que compreende relevantíssima documentação, entre os anos 569 e 1254, para estudo e compreensão da Idade Média; o Mapa de Braga de 1594; e tantas outras preciosidades.
Depois de reunido o gigantesco arquivo na BPB, em Novembro de 1911, com o extremo cuidado e conhecimento do bibliotecário-arquivista Alberto Feio, veio a Braga o Inspector das Bibliotecas Eruditas e Arquivos, Júlio Dantas, em meados de Janeiro de 1913, com o propósito de cumprir Lei de 2 de Outubro de 1862, bem como outros decretos posteriores.
Apesar de já ter uma parte do espólio “acondicionada em 11 pequenos caixotes”, e pronta para seguir para Lisboa, a oposição de Braga não se fez esperar, e a tempo de impedir essa calamidade, com forte protesto junto do representante máximo do Governo Civil do Distrito de Braga, com a vereação municipal de Braga, bem como comissões paroquiais, a juntarem-se à contestação.
Manuel Monteiro, Governador Civil, prontamente dirigiu um telegrama a Júlio Dantas, pedindo a suspensão imediata da acção que estava a ser levada a efeito. Mais tarde, e na presença de Júlio Dantas, dirigiu-se ao povo bracarense, que se foi aglomerando no interior do edifício do poder distrital, lendo o conteúdo desse telegrama, tendo sido fortemente ovacionado no final do discurso.
Não restou outra opção ao emissário vindo de Lisboa, do que acatar momentaneamente a vontade do povo bracarense, na voz do Governador Civil, tendo ele se retirado do local, debaixo de uma estridente salva de palmas. Justino Cruz, secretário do Governo Civil, garantiu que não deixaria cair este assunto em saco roto, com outras colectividades de Braga a debaterem apaixonadamente o assunto nas suas actividades.
Como seria de esperar, o assunto não morreu em Lisboa, com a Sociedade de Estudos Históricos a reclamar ao Governo, aí sediado, para avançar com a transferência do Arquivo de Braga para a Torre do Tombo. Anotava a edição de 26 de Janeiro de 1913 do jornal Echos do Minho “que o Povo de Braga não consente de bom grado, custe o que custar, que o espoliem do precioso arquivo que religiosamente soube guardar durante séculos”.
Entretanto, na Academia de Ciências de Lisboa, começaram a surgir opiniões contrárias, ao desejo cego de seus membros, de completar o “saque” ao tesouro existente em Braga. Ainda em Lisboa, o “mal-afamado” Inspector Júlio Dantas, continuou a influenciar as opiniões dos membros de reputadas instituições, como a da Associação dos Arqueólogos Portugueses, com esta a considerar “uma medida salutar,…, a incorporação dos documentos do cabido da Sé de Braga, no Archivo Nacional”.
O tempo foi passando, com o Inspector Júlio Dantas a tentar cumprir o seu desígnio, se bem que, fora moderando a sua ambição. Passou a ter a opinião, de que, tanto o Arquivo da Mitra, como o Arquivo da Sé, pudessem permanecer em Braga. Porém, insistia que os cartulários em pergaminho e documentos avulsos, do século XI ao século XVI, deveriam ser removidos para Lisboa. Felizmente, e como vimos no início do texto, haveria de ser fundado o ADB, em 11 de Agosto de 1917, ficando de vez resolvida a questão que se arrastou durante quatro longos anos.