Em 711, deu-se o início da invasão da península ibérica por parte dos muçulmanos, vindos do norte de África, tendo estes, por volta de 714, atingido Braga e o território envolvente, que é como quem diz, o actual norte de Portugal e Galiza.
Esse avanço só foi barrado cerca de 722, nas Astúrias, originando-se uma enorme região “tampão”, entre cristãos e muçulmanos, algures entre os rios Minho e Mondego, e também uma faixa de território com sensivelmente a mesma largura, mas de maior comprimento, na actual Espanha.
Depois de muitos avanços e recuos, pleno de razias às populações, em 872, o Conde Vímara Peres, realizou a Cúria Régia de Braga, onde foi delimitado o seu novo território de administração mais próxima. Antes, cerca do ano 820, houve um acontecimento, que, apesar de ter um fundamento duvidoso, veio marcar uma nova centralidade no noroeste peninsular. A descoberta de um túmulo, num local a norte da actual Galiza, que se julgou ser pertença de Santiago.
O apóstolo terá sido morto e decapitado em Jerusalém, o que se afigura inverosímil a sua vinda até aos confins, daquele que era o mundo conhecido no médio oriente, para propagandear a fé cristã. Também será difícil de conceber que o seu corpo tenha sido enviado por barco, como forma de promover a implantação dessa nova religião. Um pouco mais plausível, será a tese, de que, o corpo enterrado em Compostela, seja o de Prisciliano, que viveu no século IV, e que foi executado na actual Alemanha. Como a sua origem era Ávila, na atual Espanha, é de admitir que o seu corpo tenha regressado a um território pelo qual deambulou durante muitos anos.
Braga, que, outrora, havia sido a capital da província romana da Galécia, e também do reino suevo, mas esvaziada do poder secular (político), viverá nos séculos seguintes com o seu poder temporal (religioso) ameaçado. Com a conquista definitiva aos “mouros”, do território até ao rio Douro, no tempo de Fernando Magno, Braga, capital e maior cidade da antiga Galécia, a partir de 1070, será parcialmente reerguida, com as pedras da antiga muralha romana, a servirem de material de construção, à nova Catedral, em local onde já antes existira um templo paleocristão.
A nova Sé Catedral, em tempo do Bispo Pedro, foi sagrada em 1089, pelo Arcebispo Bernardo de Toledo, que se apresentava como Arcebispo Primaz das Espanhas. Título concedido no ano anterior pelo Papa Urbano II, e que chocava de frente, com as pretensões da mitra bracarense, em função da sua história, tanto política, como religiosa. Se, no passado, a Braga Sueva esteve em conflito com a Toledo Visigótica, estava agora aberta uma nova frente de batalha para os séculos vindouros.
Em 1095, D. Geraldo de Moissac, oriundo de uma região actualmente incorporada em França (Cluny, Borgonha), e conterrâneo do Conde D. Henrique, pai de D. Afonso Henriques, assumiu a cadeira do poder temporal bracarense, sagrado pelo Arcebispo de Toledo, mas com a missão de restaurar os direitos metropolitas de Braga, junto de Roma.
No ano 1100, D. Geraldo de Braga, para obter do papa Pascoal II, a dignidade metropolitica para a Sé de Braga, a título definitivo, avançou com reformas eclesiásticas e administrativas, conseguindo, desta forma, aniquilar os focos de resistência anti-romana na sua diocese. A autonomia eclesiástica de Braga seria o prenúncio da independência do Condado Portucalense já que, o Conde D. Henrique, obteve do Papa Pascoal II, sentença favorável a Braga.
Mas, se o objectivo inicial era colocar Toledo no seu devido lugar, Geraldo de Moissac, iria defrontar-se com uma nova frente de batalha. O recém-eleito Arcebispo de Santiago de Compostela, Diego Gelmirez, com o pretexto de que, o túmulo de um dos apóstolos, estava situado debaixo do seu altar, e também a alegar que o vazio de poder temporal de Braga, teria passado para igrejas mais a norte, menos sujeitas às razias mouras, também desejou captar, de certa forma, a primazia da península para si.
Não satisfeito com a conclusão da catedral compostelana, do engrandecimento da sua diocese com bens e privilégios, da isenção da sua diocese perante Braga, quis ainda que a mesma fosse elevada a metrópole, pela transferência das dioceses sufragâneas de Mérida, tendo, para isso, organizado o roubo das relíquias e santos mais venerados em Braga em 1102.
O seu objectivo era o de eliminar Braga como centro de peregrinação, que o bispo Pedro aí pretendeu manter, e transferir para Compostela a supremacia eclesiástica sobre a antiga província da Galécia.
Assim, alegadamente, a coberto da dependência de uma parte dos arredores de Braga, da sua mitra compostelana, e na ausência do Arcebispo de Braga, D. Geraldo, possivelmente em viagem para Roma, Diego Gelmirez roubou as relíquias, não só de S. Frutuoso, mas também de S. Vítor, Santa Susana, São Cucufate e São Silvestre.
Este acto pode ser entendido como uma fraqueza da tese de que, as relíquias do apóstolo Santiago, realmente se encontram em Compostela. As reacções da população e meio eclesiástico bracarenses foram extraordinárias, ficando o nome Diego, com má-fama em Braga, até aos nossos dias.
Apesar do acto ignóbil perpetrado por Diego Gelmirez, D. Geraldo, em 1103, viu atendidas as suas diligências junto de Roma, obtendo confirmação da jurisdição sobre todas as dioceses da Galiza, nomeadamente, Astorga, Mondonedo, Orense, Tui, Porto, Lamego, Coimbra e Viseu. Estava assim restaurada a velha tradição dos suevos.
O Arcebispo D. Geraldo, faleceria em 1108, mas o seu sucessor, Maurício Burdino, prelado entre 1109 e 1118, e próximo do Conde D. Henrique, também tentou reduzir a influência de Compostela. A sua estratégia, porém, passou por instalar o culto a Santiago, a exemplo de Compostela, procurando atrair peregrinos, supostamente, com a exibição da cabeça do santo. Houve quem escrevesse, que, nas cruzadas à Terra Santa, o Conde D. Henrique, havia conseguido obter tal relíquia, e que tinha o desígnio de a exibir na Sé de Braga.
Mais tarde, Maurício Burdino, conseguiu mesmo adquirir um corpo completo, de um outro santo, mas com o mesmo nome, Santiago. Para o fracasso da guerra de relíquias com Compostela, deve ter contribuído o seu apoio a Henrique V, para que este fosse coroado como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Maurício Burdino, viria mesmo a ser proclamado Anti-Papa Gregório VIII, em 1118, mas, por causa desta atitude, foi excomungado pelo Papa romano, e morreu esquecido num cárcere na península itálica.
Muito mais tarde, a 19 de Outubro de 1966, o Arcebispo de Santiago Compostela, veio com o seu séquito a Braga, para, 864 anos depois, devolver parte das relíquias de S. Fructuoso à Sé de Braga. A exemplo do acontecimento de 1102, também em 1966, o Arcebispo de Braga não esteve presente, para a recepção das relíquias. Só três dias mais tarde, e já em sua posse, realizou uma procissão com as relíquias de S. Fructuoso, reduzindo um pouco do mau-estar gerado, no início do séc. XII, pelo ardiloso Arcebispo de Compostela, Diego Gelmirez.
O sobrante das relíquias de S. Frutuoso, Bispo de Braga, seria entregue por Compostela a Braga em 1994.