O culto ao Bom Jesus do Monte em Braga terá começado, algures, na primeira metade do séc. XIV, no tempo do Arcebispo D. Gonçalo Pereira, avô de D. Nuno Álvares Pereira, O Condestável.
Sendo o prelado bracarense – entre 1326 e 1348 – um dos heróis da Batalha do Salado, ocorrida em 1340, em que os exércitos português e castelhano, em conjunto, derrotaram o opositor muçulmano, no actual sul de Espanha, D. Gonçalo Pereira, terá mandado levantar uma ermida, lá no alto do monte. Cumpria, desse modo, uma promessa feita, em caso do resultado positivo dessa refrega, tal era a sua devoção à Santa Cruz. Em 1373, surgiu a primeira notícia relativa a esta construção, a Ermida de Santa Cruz, de acordo com o estatuto da Irmandade da Trindade de Braga.
No entanto, a primeira igreja, digna desse nome, terá sido construída em 1522, no local da antiga ermida, durante o prelado do Arcebispo D. Jorge da Costa. A notoriedade do local, e a devoção ao mesmo, já há muito havia extravasado os limites do Couto de Braga. Um século mais tarde, mais concretamente, em 1629, foi oficialmente constituída a Confraria do Bom Jesus do Monte, que, ao longo das décadas seguintes, fruto das suas receitas, provocou o aproveitamento indevido de alguns dos seus membros. Devido ao “apetite voraz” de um Deão, a Confraria esteve quase votada ao abandono, entre 1710 e 1722, antes da sua administração ficar sob alçada do Arcebispo de Braga, D. Rodrigo de Moura Telles.
Em 1723, foi inaugurado o Pórtico, onde ainda hoje se pode contemplar a inscrição “Jerusalem Sancta e Reedificada”. Uma jogada de mestre do “grande” Arcebispo para restaurar o poder eclesiástico de Braga no País, e, simultaneamente, promover a romagem a Braga de muitos peregrinos, o que seria fortemente dinamizador da economia local. Por fim, ainda no prelado de D. Rodrigo de Moura Telles, mais concretamente, em 1725, foi inaugurado um novo templo, que substituiu o anterior, do tempo do Arcebispo D. Jorge da Costa.
Ainda hoje, há uma referência toponímica, contemporânea à ermida levantada há quase 700 anos, no alto do Monte Espinho, a Rua Nova de Santa Cruz. Esta via, que, em grande parte da sua extensão, segue paralela ao antigo traçado de outra via, mas de origem romana, flectia em direcção ao Monte, na actual zona dos Peões, dando também nome à ponte que transpunha o Rio Este.
Com o desaparecimento de D. Rodrigo de Moura Telles, em 1728, só três décadas mais tarde, outro Arcebispo de Braga, irá demonstrar um enorme compromisso com o Bom Jesus do Monte, D. Gaspar de Bragança. Este Senhor, apesar de ser irmão do Rei D. José I, era olhado de soslaio por parte da figura, que tinha efectivo poder no país, o Marquês de Pombal. O Arcebispo D. Gaspar de Bragança, que esteve à frente dos destinos de Braga, entre 1759 e 1789, foi informado da ausência de “graças espirituais” ao Bom Jesus do Monte, e procurou consegui-las junto da Cúria Romana, ciente da sua importância para atrair ainda mais romeiros e devotos a Braga, sabendo que o local, já era o maior centro de peregrinagem em todo o Reino de Portugal e que servia de inspiração à construção de santuários semelhantes, inclusivamente, no Brasil.
Assim, o plano delineado por D. Gaspar de Bragança, por volta de 1770, de forma a recuperar a centralidade “roubada” por Santiago de Compostela, iria culminar, em 20 de Julho de 1773, com a emissão de “Três Breves”, por parte do Papa Clemente XIV, que enriquecia o Santuário com privilégios e graças tão singulares, que nem mesmo os Lugares Santos da cristandade, até então, lhe levavam vantagem em indulgências e perdões. A saber:
1.º Breve: concede Sua Santidade por vinte anos, e em cada ano, um pleno jubileu aos fieis que visitarem confessados e comungados o templo do Bom Jesus. Esta é a mesma indulgência que a do ano santo em Roma;
2.º Breve: concede indulgencia plenária e remissão dos pecados aos fieis, que visitarem confessados e comungados o templo do Bom Jesus;
3.º Breve: concede perpetuamente ao templo do Bom Jesus um altar privilegiado, no qual os sacerdotes celebrando missa por uma alma, possam aplicar-lhe a indulgenciam e consegui-la por modo de sufrágio.
Depois de emitidos em Roma, os “Três Breves”, chegaram à Mesa da Confraria do Bom Jesus do Monte, em 29 de Agosto de 1773, como se pode verificar no 2.º livro dos Termos e Acordãos desta instituição, sendo a notícia espalhada sem mais demora por Braga, e pelo país, em função das “infinitas graças”, que o Sumo Pontífice dava a quem se deslocasse ao Bom Jesus do Monte.
Numa região, com forte fervor religioso, esta notícia sobre os “Três Breves”, espalhou-se tão rapidamente, criando um sentimento de êxtase na população, que não dormiu “durante três dias e três noites, festejando ao estrondoso som de tambores, chamarelas e até de bailes, que andaram tocando por todas as ruas da cidade”.
Em 7 de Novembro de 1773, a Confraria do Bom Jesus do Monte, “determinou que para se fazer patente a todo o Reyno o Jubileo, e mães graças, que o Santissimo Padre Clemente VIX concedeo ao Santuário do BJM, se mandassem imprimir na Cidade do Porto, em cinco resmas de papel, hum manifesto que de tudo isto desse larga notícia”. – in 2.º livro dos Termos e Acordãos (1770-1786).
Braga ia preparando festas sem igual, para a celebração do Grande Jubileu do Bom Jesus do Monte, enquanto aguardava pela aprovação das bulas por parte da coroa real. Pura ilusão! Portugal estava debaixo de um regime déspota, protagonizado por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. A “sua” Real Mesa Censória, julgou “indecoríssima e indecentíssima” a promiscuidade e mistura de símbolos da Bíblia e da Mitologia, no Santuário do Bom Jesus do Monte, e, um seu Edital, de 22 de Abril de 1774, proibiu as bulas, que haviam obtido aprovação régia, e também das festas do Jubileu! Também “ordenava entre outras coisas que nenhuma pessoa pudesse ler o referido papel, ou notícia”.
A Confraria teve, inclusivamente, de mudar nomes e dísticos às imagens, e até, algumas figuras escultóricas, colocadas no Escadório, tiveram de ser retiradas, de acordo com um acórdão da Confraria, datado de 5 de Setembro de 1774.
O efeito desta medida ditatorial, protagonizada pelo Marquês de Pombal, foi desastroso, para o florescente Santuário, pois os romeiros, que antes, em grande número, acorriam de todos os pontos do país, e mais além, começaram a rarear, e, com eles, as esmolas. Braga, que, 19 anos antes, sofrera por aqueles que perderam a vida no terramoto em Lisboa, era agora atraiçoada, pelo poder sediado na capital. Esse Edital da “Real Mesa Censoria”, por ordem superior, foi afixado nos lugares públicos de Braga, e, pasme-se, até na porta do templo do Bom Jesus do Monte!
O Arcebispo de Braga, D. Gaspar de Bragança, não se quis interpor entre o Rei D. José I, seu irmão, e o Marquês de Pombal, mas, pouco depois, recomeçou as diligências, junto da Santa Sé, agora com Pio VI sentado no trono de S. Pedro, e, novamente, coadjuvado pelo banqueiro bracarense Boaventura Maciel Aranha e pelo banqueiro residente em Roma, António Silva Teixeira.
Só a 18 de Março de 1778, e já com o Marquês de Pombal “desterrado”, Sua Santidade emitiu outros “Três Breves”, tão amplos e cheios de graças como os anteriores. D. Gaspar de Bragança, obteve da Rainha D. Maria I, sua sobrinha, o “exequátur”, ou seja, a aprovação real, sendo os Breves publicados e anunciados com todas as formalidades em Maio de 1779.
Porém, com a condição de, os Breves do Jubileu, serem oferecidos ao Reino e não só ao Bom Jesus de Braga. A Cidade de Braga, engalanada, repetiu, ruidosamente, as manifestações de regozijo, registadas seis anos antes, tendo as festas atraído dezenas de milhares de forasteiros de todo o reino, e não só, à Cidade de Braga.
Mais tarde, a 22 de Agosto de 1780, o Papa Pio VI, alargou o âmbito dos Breves anteriores, concedendo aos habitantes de Braga, de modo perpétuo, que, impedidos de visitar o templo do Bom Jesus, pudessem cumprir em casa, ou em alguma igreja da cidade, as indulgências. Muito tempo depois, a 1 de Junho 2016, o Santuário do Bom Jesus do Monte, foi declarado Património Mundial pela UNESCO.
Um dia que terá feito o Marquês de Pombal dar algumas voltas na sua tumba. Esta personagem da História de Portugal, que já havia prejudicado Braga, em matéria de Educação, a quando a expulsão dos Jesuítas, em 1759, que chegaram a ministrar os Estudos Públicos, a cerca de 3.000 alunos, no Colégio de S. Paulo.