E porquê? Porque possivelmente a bola no poste da Ana Capeta vai inspirar muitas mais raparigas portuguesas do que a súmula final da JMJ.
Acham um perfeito absurdo?
Comecemos por um número simples, 49% dos jovens entre os 18 e os 30 anos declaram-se católicos, e 5% outras confissões religiosas, sendo clara a diminuição da influência católica nos sectores mais jovens.
Analisando os Fundamentos Teológicos desta JMJ, salta à vista na ausência de uma discussão clara e direta da maior parte dos temas que inquietam os jovens de hoje. Vemos a sustentabilidade e os problemas ambientais e os abusos sofridos (não especificando quais) mas não vemos uma discussão clara sobre como reforçar o papel da mulher na sociedade, de como atingir a igualdade de direitos perante o homem, como respeitar todos aqueles que abraçar as diversas orientações sexuais , das crescentes interpretações do que é o género, de como os jovens poderão enfrentar os crescentes desafios económicos e acima de tudo, e depois de um ano negro para a Igreja Católica nesse campo e não vemos o mais humilde ato de contrição sobre jovens que sofrem de abusos sexuais ou assédios sexuais.
Não existem jovens homossexuais católicos? Não existem lésbicas católicas? Não existem jovens abusados que duvidem da existência de uma justiça divina? Algo me diz que sim.
Mesmo tendo Maria como a figura central desta JMJ, a Igreja Católica muda pouco a imagem da mulher no seio da Igreja nem a aproxima daquilo que as novas gerações exigem. Perpetua-se a imagem de uma mulher assistencialista, submissa a um poder superior, que se anula sempre perante as necessidades dos outros, têm maternidade como um pilar fundamental na sua existência. Alguns dirão que estes são os seus seculares valores, mas numa realidade cada vez mais dinâmica e exigente, este tempo dilatado da alteração do status quo é uma das razões principais para o afastamento dos jovens das instituições católicas já que quando não se coloca o problema, dificilmente teremos a solução para ele. Felizmente, para todos e em especial para elas, a atual velocidade de novas conquistas civilizacionais é bem maior que a velocidade das alterações dentro dos domínios eclesiásticos.
Não será estranho que hoje muitas meninas ao verem a bola no poste e as reações que acompanharam um singelo empate, deslumbraram que um dia poderão ter a mesma igualdade no reconhecimento, no respeito e na valorização por aquilo que conquistam com o seu trabalho e dedicação, igual aquela que é dada aos seus colegas homens, e sendo franco, isso é algo que a Igreja Católica não lhes conseguirá dar nas próximas décadas : uma instituição que coloque em equidade homens e mulheres amanhã e não daqui a décadas.
Deixem-me levar pela emoção: em vez de discutir quanto custarão a JMJ, e o seu lucro, deveríamos estar a pensar porque não estamos já a concorrer para a organização de um Mundial Feminino!
E deixem-me que fale da inusitada vaga de comparações entre JMJ e Euro2004.
Não escondo, gostei muito do Euro2004.
Foi o maior evento no Portugal democrático, que nos convocou a todos, e que para além dos estádios construídos, acelerou muitos investimentos públicos: a chegada do Alfa Pendular pela CP, a extensão do Metro de Lisboa e Porto, a remodelação das circulares rodoviárias em Lisboa e Porto, a criação de uma VCI em Braga, Aveiro e Leiria e as remodelações nos Aeroportos de Lisboa, Porto e Faro numa extensão, e profundidade, que nenhum outro evento em Portugal teve. Custou mais do que o previsto? Custou. Deu lucro? Deu!
E existe um pormenor sobre o Euro2004 que eu adorei: foi aberto a todos os credos! Ortodoxos, islâmicos, anglicanos, Calvinistas e também ateus de todas as nacionalidades, de todas as idades poderam conviver sem restrições nem obstáculos .Olhando para o programa da JMJ, é fácil perceber que o diálogo inter-religioso se resume à audiência por parte do Papa Francisco de outros líderes religiosas e a visitas de alguns locais de outras
confissões. Francamente pouco para o tempo que vivemos e para uma geração que cada vez mais se globaliza e interage com credos opostos e que percebe que é através do diálogo inter-religioso, que não é mais do que o diálogo intercultural, que aquilo a que designamos como paz.
Mas nem tudo é crítica e permitam-me saudar os voluntários desta JMJ.
Independentemente do seu carácter religioso, é sempre salutar assistirmos a uma vontade de forma voluntária em participar num evento desta magnitude, que o seu forte cariz de convívio e de trocas de experiências entre os
jovens, e as suas famílias de acolhimento, são uma lufada de ar fresco numa geração que muitas vezes se vê num dia-a-dia digital e atomizado e que assim poderá redescobrir a convivência interpessoal. Também não posso deixar de saudar todos aqueles que abriram os seus lares para receber aqueles que se desconhece, dando pelo simples prazer de dar, esperando que esta vontade não termine com o fim da JMJ.
Voluntarismo e intervenção cívica são valores que nunca deverão ter credo nem religião.