A economia portuguesa está a criar mais novos milionários e não vai pagar as reformas? Não me parece. Mas temos de dar um passo atrás para abordar este tema.
Uma parte da Direita portuguesa anda sem ideias e anda a reboque de Trump e Musk, a IL começa a ser cética com a causa LGBT e imigração, pelo PSD Saúde e Educação é para privatizar e agora temos um novo inimigo público a abater: as reformas e a Segurança Social.
É uma Direita que nos vai querer fazer crer que as reformas são um esquema Ponzi, tipo Dona Branca, e que visa promover um forte individualismo, de que o Estado é a fonte de todos os males e de todas as corrupções, que quer fazer crer que tudo nasce e morre quando nascemos e estamos neste mundo, eliminando aquilo que é o contrato inter-geracional a que todos estamos obrigados quando nascemos: eu devo garantir o bem-estar das gerações futuras porque as gerações passadas garantiram o meu.
E não, apesar de ser da geração que começou a trabalhar com a troika e a dizerem que ganhava demais mesmo ganhando o salário mínimo, não acho que tenha nada a apontar às gerações passadas que governaram este país, a mim não me obrigaram a ir morrer em Angola ou na Guiné-Bissau numa guerra sem motivos nem honra como a geração dos meus pais foi obrigada e isso para mim chega e basta.
Chama-se a isto memória histórica, e sei que não sou o único a tê-la.
Voltemos à economia.
Se uma economia ontem produzia 2 frangos e hoje produz 4 frangos, e os trabalhadores continuam com 1 frango ontem e hoje, então não só sobram 3 frangos que vão para alguém ,e é a decisão para onde estes 3 frangos vão que diferenciam a Esquerda e a Direita, e se os trabalhadores continuam a receber apenas 1 frango é porque os dois frangos extras que a economia passou a produzir vão para alguém que não os trabalhadores.
Nada mais simples e concreto, mas vamos a contas para ainda ser mais claro sobre como a economia pode pagar as reformas.
Se contabilizarmos que um reformado está a cargo da Segurança Social entre os 65 e os 90 anos, ele receberá cerca de 350 prestações da Segurança Social, e se fizermos contas que recebe em média um valor de 1.800€ (bem acima da reforma média nacional) então teríamos um total de 650.000€ de reforma inteira, que receberia no total de toda a sua vida de pensionista.
Então, se considerarmos que entre o buraco do BPN, I.M.I não pago pela EDP, buraco do BES, que representam cerca de 13 mil milhões, teríamos já garantidos um valor que pagaria na totalidade de 21.000 reformas inteiras, se considerarmos aquilo que teríamos de pagar pela TAP se não tivéssemos intervindo na empresa (9 mil milhões) teria sido o equivalente ma 13.000 reformas inteiras, somando a isto as borlas fiscais dos Visto Gold, IRS Jovem, Zona Franca da Madeira estamos a falar mais de um ano de novas reformas completamente garantidas.
Quando um dos frangos foge durante a noite, ninguém o come.
Mas posso ainda buscar mais um exemplo: Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce. O seu CEO vêm sempre com grande tom moralista e de grande empreendorismo e frequentes queixumes sobre o pagamento de impostos, queixando-se que em 2024 pagou tanto de impostos como de investimentos e que uma vez mais vai mudar a sede da empresa para a Holanda para não pagar impostos, mas é bom analisar o detalhe.
A J.M pagou 883 milhões de euros de impostos, onde têm 35.000 funcionários, na Polónia e 177 milhões em Portugal, onde têm 15.000 funcionários, ou seja, pagou 25.000euros de impostos por funcionário na Polónia e 11.800 euros por funcionário em Portugal, e agora prepara-se para pagar zero em Portugal. Este valor de 177 milhões de euros pagariam cerca de 200 reformas inteiras e se pagasse a mesma taxa que na Polónia seriam cerca de 400 reformas inteiras. Uma empresa que ganha milhares de milhões com os salários dos portugueses não querer retribuir com impostos a quem lhe tanto dá é, para mim, eticamente deplorável.
Então chegamos a uma conclusão simples: vai haver dinheiro se toda a comunidade pagar o que é devido, os frangos não desaparecem e são para todos.
E é esta responsabilidade para com a comunidade que é difícil de admitir para esta certa Direita.
Como o Ensino Universitário não é para dar lucro, como o Sistema Nacional de Saúde não é para dar lucro, como as Forças Armadas não existem para dar lucro, também a Segurança Social não é uma fonte de lucro, e ainda hoje muitos se receberem aquilo que descontaram pouco ou nada receberão e ela terá de ser alimentada e financiada com o esforço coletivo do país e não será com borlas fiscais, com isenções e taxas de fomento para os mais ricos, com um medo de taxar as grandes empresas que teremos os recursos financeiros para fazer face às exigências financeiras.
Será quando quem ganha mais pagar mais, quem mais retira proveito de Portugal e dos portugueses retribuir com o pagamento de impostos, mas sei que esta não é uma ideia consensual, já que na última semana na Rádio Observador alguém dizia convicto “qual é o problema de uma empresa se sediar num paraíso fiscal e deixar de pagar impostos?”.
Com pessoas destas na comunidade, não haverá frangos para ninguém.
E nisto também precisamos de emigrantes, que trabalhem, que consumam, que criem novas famílias, que tragam mais vida para Portugal que contribuam para toda esta máquina.
Resumindo, sim a Segurança Social é um custo, sim é preciso financiar, sim temos de ter como principal preocupação a sua sustentabilidade, mas também será sempre para mim um contrato inter-geracional de cuidado de mútuo, que cuidarei de quem cuidou, como será para os meus sucessores e para quem vier a seguir.
E isso é um contrato que tudo farei para que a minha comunidade não rasgue, porque a economia serve também pagar as reformas e não apenas para criar mais novos milionários.