Funcionários do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) revelaram ao E24 uma “regressão nas condições de trabalho” e na “qualidade dos serviços prestados pela instituição”.
Apontam ainda uma série de problemas que estariam a comprometer a eficiência e a segurança do atendimento de emergências em Portugal.
As queixas lembram a situação dos anos 1980, quando o Sistema Nacional de Ambulâncias foi extinto devido a condições precárias.
Degradação de Equipamentos e Condições Laborais
Entre os problemas apontados pelos profissionais do INEM, destacam-se o estado da frota, com ambulâncias desgastadas, algumas com mais de 700 mil quilómetros, comprometendo a segurança e a rapidez no atendimento.
Também a carreira estagnada é outro dos problemas com os profissionais a relatarem ao E24 “falta de progressão nas carreiras e remunerações que consideram incompatíveis com a responsabilidade da função”.
Também a “formação inadequada” é outros dos problemas. Segundo os profissionais, os técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH) têm uma formação extensa e específica, mas enfrentam dificuldades para realizar o trabalho adequadamente devido à escassez de recursos e condições precárias.
Serviços em risco e recursos humanos subaproveitados
Os trabalhadores também relatam “uma gestão deficiente dos recursos humanos”.
“Em muitos locais, os postos de atendimento de emergência contam com pessoal insuficiente ou mal preparado, muitas vezes composto por voluntários sem formação específica para o trabalho”, afirmam.
As críticas são ainda mais severas em relação ao suporte dos bombeiros e Cruz Vermelha, que, apesar de serem essenciais para o socorro, “operam com limitações há décadas”, afirma fonte a trabalhar no CODU.
Um dos pontos mais críticos refere-se ao “não pagamento de horas extras e sobrecarga de trabalho”. Enfermeiros e técnicos relatam “jornadas extenuantes, e cansaço entre os profissionais”, destaca a mesma fonte.
Apelo por Melhorias Urgentes
O salário e as condições de trabalho são descritos como “incompatíveis” com a complexidade e responsabilidade das funções desempenhadas pelos profissionais do INEM. Além disso, os profissionais questionam as decisões do Ministério da Saúde, que, segundo eles, parece ignorar as necessidades de investimento no setor.
Diante dessa situação, o apelo é para que a população tenha consciência do estado do INEM e que sejam implementadas reformas urgentes para evitar uma crise ainda maior nos serviços de emergência do país.
Presidente do INEM assume que não declarou serviços mínimos e Ministra toma conta do INEM
A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, assumiu, em audiência parlamentar, a responsabilidade pelos problemas relacionados com os atrasos no atendimento do INEM.
Em resposta às críticas, a ministra reafirmou o compromisso de implementar uma reforma estrutural no instituto, que considera urgente.
“Não tenham dúvidas de que, enquanto ministra da Saúde, assumo total responsabilidade pelo que correu menos bem e comprometo-me a executar as medidas necessárias para a refundação do INEM,” declarou, garantindo que não fugirá às suas responsabilidades.
Ana Paula Martins esteve no Parlamento no âmbito da apreciação do Orçamento do Estado para 2025, onde foi confrontada com questões sobre a crise do INEM, especialmente durante os dias de greve dos técnicos de emergência e da função pública, que causaram atrasos no atendimento de chamadas de emergência.
Durante a sua intervenção, a ministra sublinhou a urgência de reorganizar os serviços de urgência e emergência, considerando esta área “a maior prioridade” do atual Governo.
Greves e mortes levantam questões de responsabilidade
A ministra detalhou que, em 4 de novembro, coincidiram as greves dos funcionários da função pública e dos técnicos de emergência pré-hospitalar, o que resultou em turnos sem serviços mínimos e na escassez de recursos humanos. Esse dia foi marcado por dificuldades em assegurar um serviço contínuo de atendimento, com impacto nas operações de socorro.
O foco das críticas e da indignação pública prende-se com a morte de 11 pessoas, cuja relação com os atrasos do INEM está a ser investigada. A ministra expressou pesar e solidariedade às famílias afetadas, prometendo uma “investigação completa” para esclarecer as causas dessas mortes. “Quero garantir que tudo será feito para apurar as responsabilidades e determinar se houve relação entre as mortes e a falta ou o atraso dos meios de socorro,” afirmou Ana Paula Martins.
A governante assegurou ainda que, caso as investigações revelem falhas, saberá “interpretar os resultados” dos inquéritos e tomar medidas cabíveis, garantindo aos deputados uma resposta firme, sobretudo ao deputado Rui Cristina, do partido Chega.
Transparência nos tempos de espera e falta de técnicos
Para aumentar a transparência do INEM, a ministra anunciou que os tempos de espera nas chamadas de emergência estarão disponíveis no site oficial do instituto. O tempo médio de espera, que era de 12 segundos em 2021, subiu para 36 segundos em 2023 e já atinge 68 segundos este ano. A falta de profissionais é uma das causas apontadas, com uma redução significativa do número de técnicos de emergência pré-hospitalar, atualmente em 700, face aos 1.341 necessários.
Ana Paula Martins destacou ainda que o INEM tem enfrentado dificuldades devido à ausência de uma renovação de meios de emergência terrestre nos últimos anos, o que afeta a capacidade de resposta.
Proposta para evolução dos técnicos para paramédicos
Durante a audiência, a ministra mencionou a possibilidade de evolução dos TEPH para uma categoria de paramédicos, visando criar uma equipa mais qualificada. Esta mudança faz parte de uma reforma do INEM, que a ministra pretende transformar numa entidade “mais reguladora do que prestadora” de serviços, sugerindo que a formação dos técnicos possa vir a ser apoiada por escolas médicas.
A ministra explicou que a refundação do INEM inclui a revisão do estatuto dos TEPH e uma mudança na gestão das viaturas de emergência, que poderão ser operadas por parceiros, um modelo já praticado em outros países.
Acusações e resposta às críticas
O debate no Parlamento aqueceu quando o deputado socialista João Paulo Correia acusou a ministra de “mentir” sobre o desconhecimento da greve, afirmando que havia comunicações do sindicato. A ministra refutou a acusação de forma enfática, considerando-a uma “falta de urbanidade” e defendendo a sua postura.
Ana Paula Martins explicou que ficou surpreendida com o impacto da greve devido ao facto de o Governo estar a negociar com o sindicato desde junho e de a greve da função pública não ter originalmente efeito previsto no INEM. A ministra criticou ainda a gestão anterior, afirmando que o atual governo não tenciona ceder a pressões sindicais de forma precipitada.
A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já abriu um inquérito para avaliar se os serviços mínimos foram cumpridos. A ministra afirmou que espera uma “avaliação profunda” e esclarecedora da IGAS para apurar responsabilidades.